Por Fifa.com
Dorival Júnior ganhou com o Santos, na mesma temporada, o Campeonato Paulista e a Copa do Brasil. Feito louvável, sem dúvida, mas que, incrivelmente, às vezes nem parece ser o que de mais incrível a equipe fez em 2010.
No primeiro semestre, o treinador ganhou reputação não apenas por ter ganhado, mas por fazê-lo com um time repleto de garotos – sobretudo dois, Paulo Henrique Ganso e Neymar -, por jogar de maneira bonita e ofensiva e, no final das contas, por formar aquela que se tornou a base da primeira Seleção Brasileira convocada por Mano Menezes.
Diante da badalação, da ausência de jogadores como Robinho, Wesley e o lesionado Ganso e do desafio de manter o nível no Brasileirão, Dorival nem bem desfrutou do sucesso e já tem um novo desafio pela frente. Ele recebeu o FIFA.com no CT Rei Pelé, em Santos, e falou sobre tudo isso:
Dorival, quando você chegou ao Santos, sabia do potencial dos jovens que teria à disposição?
Olha, acreditava muito no Paulo (Henrique Ganso) e no Neymar. Não imaginei que tudo isso fosse acontecer tão rápido, mas sabia que eles cresceriam. Acreditava também no Wesley, pelo que tinha visto no Atlético-PR. E esperava que as peças que estávamos trazendo, por suas características, também casassem com as que já estavam aqui. O que aconteceu foi que esse encaixe veio antes do esperado. Surpreendeu todos nós.
E a maneira ofensiva como a equipe joga: tem mais a ver com convicção sua, ou era a formação que fazia mais sentido pelas peças que você tinha?
Eu tenho uma ideia de futebol e claro que, ao chegar, fui observando coisas e fazendo mudanças. O Wesley, por exemplo, era um atacante e nós o puxamos para trás, imaginando que pudesse servir para uma ligação rápida do meio com o ataque, enquanto com o Ganso e o Marquinhos tínhamos uma saída mais consciente. Eu sempre busquei montar equipes dessa forma: foi assim com o Cruzeiro em 2007, que teve o melhor ataque do Brasileiro; com o Coritiba, que teve no Keirrison um dos artilheiros do torneio, no Vasco do ano passado... Prefiro ter um meia transformado num segundo volante do que um segundo volante que se torna um terceiro meia. Observava que, com essas mudanças, podia ter um time mais agressivo com a posse de bola – ainda que às vezes mais exposto. E acho que tem dado certo.
Em alguma equipe você chegou a ter problemas por conta dessa vocação ofensiva?
Vindo de dentro do clube, não. Este ano, quando chegamos à semifinal do Paulistão, muita gente achava que não jogaríamos com três atacantes contra o São Paulo no Morumbi. Mas o time vinha bem, vinha respondendo, por que eu iria mudar? Se teve alguma vez, foi essa.
E a próxima talvez seja agora, que a equipe está, de uma hora para a outra, tão desfalcada com relação à que ganhou tudo no primeiro semestre? Pensa em mudar o estilo de jogo para se adaptar às perdas?
Pretendo manter o time jogando igual se eu tiver o respaldo dos jogadores; se eles seguirem respondendo. Se eu sentir que pode haver oscilação, vou ter que intervir. Não temos tempo de treinar, de formar uma nova cara para a equipe, com um jogo atrás do outro. E é um momento de definição do campeonato.
Além dos resultados, surpreendeu também a recepção que o futebol jogado pelo Santos recebeu pelo Brasil todo, mesmo de torcedores de outros times?
Sem dúvida. Quem gosta de futebol vê este time do Santos com carinho, e então acabamos nos tornando praticamente a segunda equipe de todo mundo por causa do futebol bonito. É o resultado do trabalho de uma garotada que quer mostrar que pode ser competitiva e, ao mesmo tempo, dar espetáculo.
Mas eles têm uma consciência tão clara disso?
Quando eu cheguei, não. Era um momento de autoafirmação, de insegurança. Aos poucos, a equipe foi assumindo esse lado. Não é que foi a minha chegada que fez modificar tudo: contribuí sim, mas minha parcela é mínima. É um processo. Quem montou o time lá no começo? O Márcio Fernandes, o Vágner Mancini, então passou pelas mãos do Vanderlei (Luxemburgo) e aí sim eu cheguei e fiz as alterações que achei convenientes.
Mais do que apenas técnico do Santos, neste ano você se tornou uma espécie de guardião de duas das maiores esperanças da Seleção para 2014: o Neymar e o Ganso... Pensa nessa responsabilidade?
Eu fico contente de olhar para a Seleção e ver que temos hoje vários jogadores de uma única equipe. Foi essa a tônica da maioria das grandes seleções que o Brasil montou: com base do Santos, do Botafogo, depois Cruzeiro e Palmeiras. Claro que me dá orgulho ver que, neste momento, o Santos teve oportunidade de contribuir com vários jogadores. E também me alegra ver o André Santos, que era meia no Figueirense quando eu o coloquei como lateral; ou o Ramires, que eu lancei na equipe principal do Cruzeiro depois de tê-lo visto 20 minutos num treinamento. É gratificante: me confirma intimamente que no momento estava certo em acreditar em determinados jogadores. E isso tudo acontece porque atrás tenho sempre uma grande equipe de trabalho: o Celso Rezende, preparador físico, e o Ivan Izzo, ex-goleiro do Palmeiras, meu assistente. Além do mais, sempre encontrei gente boa nos clubes por que passei.
Você imaginava que Ganso e Neymar fossem ficar tão à vontade ao vestir a camisa da Seleção pela primeira vez, como foi no amistosos contra os EUA?
Acreditava muito. Tanto é que, quando fui questionado no início do anos se o Dunga deveria convocá-los para a Copa, disse que não havia problema nenhum. Sabia que eles dariam resposta. Quem sabe jogar precisa de pouco tempo para se adaptar a uma situação, para se encontrar dentro de um elenco. Problema é jogador que não tem personalidade. Sobre esses dois eu não tinha dúvida.
O Mano Menezes chegou a entrar em contato com você antes de convocá-los?
Ele me ligou, sim. Perguntou como o Ganso e o Neymar estavam de momento físico e técnico. Isso é muito importante, essa troca de informações para conhecer mais as características dos jogadores. Porque o treinador se sente mais confortável tendo o máximo de informações possíveis.
Você consegue fazer esse trabalho de acompanhamento nas categorias de base do Santos?
Não de tudo, e por isso estamos fazendo uma transição com o Edinho e o Marcelo, auxiliares da equipe profissional, para que, no momento de necessidade, eu possa ter uma base maior, com base nas informações deles.
O que as categorias de base do Santos têm de tão especial para revelar tanta gente?
Parece que os jogadores se aproximam do Santos. Principalmente os jogadores de característica mais técnica, porque o clube tem o histórico de priorizar jogadores assim. Então, claro, além do excelente trabalho dos olheiros que buscam talentos, parece que alguns se aproximam naturalmente do Santos, porque aqui existe essa cultura de privilegiar jogadores técnicos que, de repente, em outro clube seriam, entre aspas, discriminados.
Um desses jogadores técnicos, o Alan Patrick, pode ser a solução para suprir a ausência do Ganso até o final da temporada?
Ele tem muita capacidade, mas nós não podemos jogar nas costas desse garoto toda a responsabilidade. Temos que ir com calma, dando oportunidades e, quando ele mostrar um crescimento, naturalmente ele vai sendo mantido. Do contrário, prefiro ir com calma. Quem tem que dar condições para um atleta crescer na equipe é a própria equipe. Um garoto não pode ser o responsável pela melhoria da equipe; ele tem que contribuir. Quando a equipe estiver reequilibrada, quem entrar vai ter possibilidade maior de render. Mas é sem dúvida mais um grande jogador que está desenhado. De agora em diante, vai depender dele. Se continuar com este apetite de querer sempre mais, nós vamos ganhar mais um grande jogador.
Qual é o aspecto mais difícil de dirigir uma equipe tão badalada?
Sem dúvida é o dia-a-dia. Porque a maneira como esses garotos despontaram chamou a atenção de tal forma que eles se tornaram celebridades. Guardadas as proporções, quando viajamos é uma histeria que parece a Beatlemania. E tudo foi muito rápido. Então é natural que haja mudança de comportamento. E a juventude do Brasil já age de outra forma. Não só esses jogadores, mas, de forma geral, houve uma mudança na forma como esta geração passou a encarar a vida. Houve uma mudança de valores muito grande. E você tem obrigação de entender isso e se adaptar. É uma troca constante. Eu ensino? Sim, mas eu aprendo também. Tem que saber a maneira de impor disciplina, porque eles não são culpados de nada. São produto de uma geração diferente.
Você, por consequência, também passou a ser um técnico mais reconhecido. Tem ambições para o futuro: exterior, Seleção...?
A Seleção, por exemplo, vai acontecer naturalmente um dia se você merecer - como hoje está acontecendo para o Mano. Cabe a nós torcer para que dê certo; para que o Mano faça um grande trabalho, com tranquilidade. Não tenho direito de ficar olhando para o cargo dele. É obrigação nossa torcer por um amigo que está lá. Amanhã, se acontecer algo, tem que ser natural. Não tenho obsessão de um dia treinar a Seleção. Meu maior objetivo é continuar dando retorno aos clubes. Mesmo que os trabalhos não necessariamente terminem com títulos, mas fico feliz em dar retorno. No Brasil, infelizmente, só se reconhece o campeão, mas muitas vezes fico mais contente com um trabalho como o do São Caetano, finalista do Campeonato Paulista com um time que havia acabado de ser rebaixado, montado em algumas semanas. É mais do que um titulo. Para mim, é um trabalho vencedor.
E, falando em título, o do Brasileirão ainda é possível para o Santos?
A gente tem que ser realista. Estamos num momento de transição. Não sei se vamos conseguir. A distância para os líderes ainda é considerável. Tivemos que deixar pontos pelo caminho, até pela disputa da Copa do Brasil, e ainda tivemos uma quebra no elenco. Temos que nos recompor, porque ainda não estamos jogando no nível de antes. Mas, por outro lado, é uma equipe que gostou de ganhar. Aprendeu a sentir esse gostinho.